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terça-feira, 31 de maio de 2011

Fadas

Ainda haverá fadas? Perguntam as crianças. 
Como são as fadas? Pergunta toda a gente que gosta de sonhar. 
Eu posso tentar dizer como são as fadas, conheci algumas, mas só acredita quem quiser. As fadas são... Bom, vamos falar um pouco acerca delas.
Nos limites da então vila de Torres Vedras, no oeste estremenho, havia campos de trigo onde as fadas gostavam de revelar-se.
Quando chegava a Primavera viam-se as searas muito verdes ondulando em movimentos de mar. 
Eu ficava à janela da minha casa para espreitar o vento a brincar com elas até quase anoitecer. 
As fadas não têm de mostrar uma forma humana, são boas forças, seres maravilhosos, capazes de nos surpreender. 
E assim nas searas de trigo eu as olhava no seu verde cheio de luz até as ver de novo, numa tarde de verão, longas e douradas espigas cheias de grãos de trigo, oscilando com menos leveza no convite do vento. 
As vinhas também já exibiam os cachos de uvas com bago escuro, e nos pomares espreitavam as peras, as
ameixas, as maçãs, os pêssegos, todos muito coloridos, visitados pelos pássaros estivais.
Às vezes a garganta secava durante as nossas visitas à Mina Velha, a fazenda encantada donde nunca apetecia sair. Para matar a sede havia ali um local mágico, discreto, quase a rastejar junto ao caminho de terra. Era uma mina de água muito antiga, há séculos protegida por grandes pedras gastas, com uma entrada escondida por fetos, musgos e avencas, onde apetecia gritar para ouvir um eco breve, a voz da pequena fada que decerto lá vivia. Tínhamos muito respeito por ela. No seu interior a água escorria timidamente, quase parecia secar durante o verão.
Reino de salamandras e animaizinhos tímidos, era um sítio atraente e misterioso, onde nem me atrevia a entrar sozinha...A frescura e a pureza daquela água não tinha comparação possível. Bebia-se na concha das mãos, que esperavam unidas pelos pingos vagarosos.
O cão Bobi era um companheiro fiel de caminhadas e brincadeiras, gostava de fruta rija e era muito meigo e divertido. 
Uma tarde, vimo-lo entrar na mina de água e, como demorasse, fomos chamá-lo na hora do regresso a casa. Nem sombra de Bobi. Estivemos mais de uma hora bem contada a gritar por ele, amorosamente ou já quase zangados, mas nem sinal. 
Voltámos da fazenda desolados, sem saber o que pensar. Como tinha o Bobi desaparecido?
Ao serão, todas as hipóteses foram levantadas. Seria que, dentro da mina de água, da Mina Velha, haveria alguma fada menos boazinha?...Fui para a cama angustiada e, mal amanheceu, pus-me a caminho da fazenda. Era logo ali, bem perto, essa grande maravilha. Ao abrir a porta, uma boa surpresa, Bobi, com o pelo branco todo enlameado, cheio de fome e manifestações de carinho. 
Eu pulei de alegria, fui logo metê-lo num grande alguidar de água e dei-lhe um banho com sabão azul e branco. Já enrolado na toalha, a comer o seu jantar da véspera, eu perguntava-lhe em vão onde se tinha perdido, se vira a fada da mina ou alguma bruxa má...Ele pareceu enfim deitar-me um olhar tranquilizador, como a dizer: Não penses mais nisso, deixa-me dormir.
Pela paz em que adormeceu e tirou uma longa soneca, encontrou de certeza uma fada benfazeja.
Quando crescemos muito as fadas vão morar mais longe de nós... Elas começam talvez a temer-nos um pouco, como eternas crianças que hão-de ser. Ou antes amuam por não lhes prestarmos a mesma atenção?...
A vida está cheia de pequenas maravilhas a toda a hora reveladas. 
Somos nós que as podemos ver. 
Fenómenos do divino, poderá dizer-se. 
É todavia necessário dar por isso, sem deixar de estar atento ao que pede de nós outras virtudes e valores.

Maria Laura Madeira
Escritora e cronista portuguesa